quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

HIE: PANORAMA DA EDUCAÇÃO GREGA - Edson Lopes



DE MANEIRA GERAL, NO SÉCULO VI a.C. prevalecia, na educação grega, o princípio de que o menino até os sete anos deveria ficar sob o cuidado da mãe e da ama.

Depois, passava a frequentar as aulas do gramatista, com quem aprendia as primeiras letras e as regras de numeração e cálculo. Nessa mesma oportunidade, aprendia a ler e a saber de cor as obras de poetas como Homero e Hesíodo.

Mais tarde, passava para o curso de citarista, pelo qual aprendia a dedilhar a lira heptacorde e a cantar as obras dos líricos, segundo os acordes tradicionais do modo dório. Paralelamente, os professores de ginástica supervisionavam com rigor os exercícios físicos.

Aristófanes¹ explicita, da seguinte maneira, como era a educação ateniense em seu tempo:

1. A disciplina e o castigo: "... não se devia ouvir um menino cochichar nem um 'a'; depois, os moradores de um mesmo bairro andavam pelas ruas, bem disciplinados, indo à casa do professor de cítara, sem manto e em fila [...] e, se algum deles se fazia de 'bobo e difícil de modular', era moído de muitas pancadas, como se tivesse prejudicado as musas".

2. A ginástica e a música: constituíram a matriz curricular - "indo à casa do professor de cítara [...]. O professor, por sua vez, começava ensinando-os a cantar com as coxas bem apertadas". O foco de Aristófanes era a educação dos jovens e, por isso, não contemplava outras disciplinas da matriz curricular da antiga educação ateniense. A educação dos jovens atenienses comportava três partes: primeiras letras, a cargo do gramatista; poesia e música, com o citarista; os exercícios físicos. Na casa do professor de ginástica, pode-se verificar a questão disciplinar, haja vista que eles deveriam sentar-se com as pernas esticadas para frente, para não mostrar nenhuma indecência aos estranhos. Na hora da ceia, não se devia comer gulodices, dar gargalhadas ou ficar de pernas cruzadas.

3. A questão moral: Aristófanes revelava-se adversário convicto da homossexualidade e não perdia oportunidade para ridicularizar aqueles que não lhe eram simpáticos. Por outro lado, ainda, quem se levantava devia aplainar a areia, tomando precaução de não deixar aos amantes nenhum vestígio de sua mocidade; ninguém amolecia a voz para aproximar-se do amante, prostituindo-se a si mesmo com os olhos.

4. A finalidade da educação: consistia em preparar o jovem para a coragem, semelhante aos guerreiros de Maratona, como afirma Aristófanes: "Mas, na realidade, foi com essas coisas que a minha educação criou os homens guerreiros de Maratona"².

Souza³ afirma que essa era tipicamente uma educação de nobres, privilégio de uma elite que conseguia frequentar os cursos do início ao fim (dos sete aos catorze anos), tendo sempre os olhos voltados para uma vida de aristocratas ociosos e ricos, que não necessitavam do trabalho manual para viver. Cultivavam os ideais do valor e da virtude, conquistados pelo esforço físico, pela coragem e pelas vitórias, virtude que devia desenvolver as boas qualidades que os "nobres" já traziam em si como dons inatos e indispensáveis ao bom aprendizado⁴. Para Barker⁵, trata-se de uma educação tanto esportiva como intelectual, como um ideal essencialmente ético: a beleza moral aliada à beleza física, ou melhor,a formação do espírito num corpo plenamente desenvolvido e harmonioso.

No século V a.C., cada vez mais se tornava perceptível que esse gênero de educação não poderia corresponder as necessidades do homem da polis e da democracia ateniense. Era necessário substituir os ideais da nobreza de raça e origem por nova concepção de virtude, que corresponde melhor aos cidadãos atenienses desse tempo, que eram membros da comunidade e prestes a colocar-se a serviço dela; isso, considerando-se que, em Atenas, todos os cidadãos viam abertos diante deles os caminhos de acesso a todos os cargos públicos.

À citada crise do conceito de "virtude", apresentada por uma aristocracia que insistia em relacionar "virtude" com "nascença", somaram-se outros dois fatores: primeiro, a crescente afirmação da ampliação do poder como "virtude política", passível de ser adquirida; segundo, o afluxo sempre maciço de estrangeiros às cidades, especialmente em Atenas, pela ampliação do comércio, o que resultou na difusão de novos conhecimentos interpessoais. O resultado é que surgiram grandes conflitos de opiniões e de interesses políticos, e os sofistas souberam captar o espírito de sua época. Isso⁶ explica por que eles alcançam sucesso entre os jovens. Era um tempo em que estes já não se satisfaziam nem com os valores propostos pela geração dos seus pais nem com o modo pelo qual esses valores eram propostos. Nesse contexto, aparecem os sofistas, respondendo a reais necessidades do momento, ao propor aos jovens as palavras novas pelas quais estes aguardavam.

Assim, os sofistas foram educadores que apareceram em muitas partes do mundo grego e que tinham em comum a consciência de seu papel como mestres de virtude política. As palavras gregas sophos e sophias, que se costumam traduzir por "sábio" e "sabedoria", eram utilizadas há muito tempo como termos genéricos para designar pessoas que eram ao mesmo tempo sábias e hábeis; mas, podiam também ser aplicados a poetas, carpinteiros, médicos e estadistas⁷. Percebe-se assim que, em sua mais antiga ocorrência conhecida, a palavra sophistes não trazia em si sentido pejorativo. A acepção negativa do termo deve-se às críticas de Sócrates, Platão e Aristóteles aos sofistas, sobretudo, pelo entendimento de que eram desinteressados da verdade e preocupados com os lucros.

Aristófanes⁸, que na peça teatral As nuvens (423 a.C.), além de tecer críticas a Sócrates, teve como fundamento satirizar a proposta educacional dos sofistas, demonstrou que eles eram vistos como mestres que podiam, desde que devidamente pagos, "fazer a causa pior parecer a melhor" e "vencer com discursos nas causas justas e injustiça". Ele via nos sofistas ideias perniciosas quanto ao futuro da cidade, uma vez que, em sua concepção, os sofistas pregavam o ceticismo e o abuso da retórica, que resultavam na degeneração política da cidade. E isso culminava com o afastamento dos jovens de suas famílias e das tradições, as quais eram as verdadeiras bases da grandeza ateniense.

Sua finalidade, ao escrever As nuvens, foi demonstrar os perigos da nova educação que, sob a liderança dos sofistas, corrompia a mocidade, desviando-a do bom caminho. É por isso que ele retrata um filho, por ele denominado Fidípides, que discute com seu pai e prefere fazer mal aos pais, em vez de aos seus mestres⁹. Em 423 a.C., quando escreveu a citada obra, Aristófanes viu os frutos da nova educação de forma evidente. Já iam longe os dias em que as palestras e ginásios se enchiam de jovens desejosos de adquirir a perfeição física por meio de exercícios bem orientados. Agora, eram meros pontos de recreação e encontro, onde se aglomeravam homens desejosos de trocar ideias. Os balneários haviam se transformado em antros de corrupção, onde a juventude vivia assediada por homens maduros e pervertidos à espreita de seus amados, e os antigos preceitos morais, a música, a bela poesia do passado, tudo estava esquecido e abandonado.

Havia, segundo Aristófanes, a necessidade de mostrar que a geração antiga tinha seus erros e fraquezas, mas sabia conservar as qualidades morais. Ao contrário, a nova geração de "educadores", sofistas e Sócrates, segundo ele, tendiam ao cinismo e à perda de todas as virtudes dos gloriosos varões de Maratona. Além disso, no desfecho de As nuvens ele ressalta as consequências da nova educação. Fidípides (o filho) procura convencer o próprio pai (Estrepsíades) de que era justo um pai apanhar de seus filhos: "Você quer me convencer de que é belo e justo que um pai apanhe de seus filhos?!", ao que responde Fidípides: "Eu convivo com hábeis sentenças, palavras e pensamentos, e creio que posso provar que é justo castigar o pai"¹⁰.

Antiseri ¹¹ assinala que, durante muito tempo, os historiadores da filosofia adotaram a postura de Aristófanes e as informações fornecidas por Platão e Aristóteles a respeito dos sofistas, de modo que, em geral, o movimento sofista foi desvalorizado. Entretanto, é necessário assinalar que os sofistas formavam três grupos: os grandes e famosos mestres da primeira geração, dentre eles Protágoras, morais em seus princípios, os quais Platão considerou dignos de respeito; os erísticos, que levaram o aspecto formal do método à exasperação, perderam o interesse pelos conteúdos e não seguiram a moral dos mestres; e os político-sofistas, que utilizaram ideias sofistas com finalidades políticas, o que resultou em imoralismo¹².

Assim, na reavaliação histórica dos sofistas percebe-se que eles foram fenômenos tão necessários quanto Sócrates e Platão; aliás, sem eles, estes são absolutamente impensáveis¹³. A partir de 450 a.C., os sofistas passaram a ser denominados de "professores", viajantes de cidade em cidade, que ofereciam cursos de instrução numa grande variedade de assuntos¹⁴. Esses professores ensinavam por meio de conferências públicas ou seminários e eram remunerados por sua atividade.

Prevaleceu o pensamento de que, por meio da retórica, as grandes assembleias e júris populares, que eram a expressão do poder político atenienses, seriam convencidos a agir em razão do orador. Os cidadãos mais ambiciosos viram a necessidade de aprender a arte de argumentar, com o objetivo de convencer as pessoas pelo argumento e conduzi-las a fazer o que o orador desejasse. Era necessária uma nova educação, que preparasse as forças do saber, para colocá-las a serviço do Estado; uma educação política que propiciasse a formação dos futuros dirigentes.

Os sofistas perceberam a importância de se elaborarem leis e também como conseguir sucesso por meio da habilidade de convencer e seduzir com palavras. Eles aperfeiçoaram a técnica da retórica e, devido a esse contexto sociocultural de Atenas, as técnicas dessa arte se tornaram o desejo de muitos cidadãos, que estavam dispostos a pagar elevadas quantias a qualquer pessoa que pudesse transmiti-la¹⁵. Como consequência dessa fase dos gregos, no século, no século V a.C. os sofistas cobravam altos honorários para ensinar oratória aos cidadãos atenienses que aspiravam à vida pública.

Ainda que, no século vindouro, os honorários cobrados pelos sofistas, concernentes às suas aulas, viessem a ser baixados pela concorrência, eles justificavam seus altos honorários em razão de que não haviam encontrado uma clientela já feita; fora necessário persuadir o público a recorrer a seus serviços.

Os sofistas gastavam com a "publicidade" de seus serviços. Alguns deles iam de cidade em cidade à procura de alunos, levando atrás deles os já arrebanhados; as despesas corriam por conta dos sofistas. Para se fazerem conhecer e manifestarem a excelência de seu ensino e para darem mostras de sua habilidade, os sofistas ofereciam de bom grado uma exibição gratuita, quer na cidade, quer num santuário pan-helênico como Olímpia, onde aproveitavam o público internacional que aí se achava reunido por ocasião dos jogos.

A cobrança para ensinar escandalizava os antigos, porque, para eles, o saber era fruto desinteressado das questões financeiras. Além disso, os aristocratas e ricos tinham acesso ao saber, uma vez que os problemas práticos da vida, como, por exemplo, o trabalho, já haviam cessado; dessa maneira, eles tinham tempo para se dedicarem ao conhecimento. Na concepção deles, só quem já se havia desprendido das necessidades imediatas deveria buscar o conhecimento.

De fato, alguns sofistas exageraram quanto à cobrança de suas aulas; entretanto, no aspecto positivo, romperam com um esquema social que limitava o conhecimento só a determinada camadas, oferecendo oportunidade a outras de adquiri-lo, desde que tivessem condições para pagar¹⁶. Sendo assim, a educação proposta pelos sofistas não dizia respeito ao acesso educacional democrático, mas aos que podiam pagar bem e desejavam se tornar chefes de Estado. Por outro lado, eles se faziam porta-vozes da ideia de que a "virtude" (areté) não dependia da nobreza do sangue e da nascença, mas fundava-se no saber. Por conseguinte, qualquer pessoa poderia ser virtuosa, desde que possuísse o saber.

Marrou¹⁷ destaca que os sofistas contribuíram para as discussões da educação formal grega:

O substancial do trabalho dos sofistas era feito mediante contrato com os discípulos, mas eles também escreveram manuais e compêndios. Assim foram produzidas as primeiras gramáticas e os primeiros manuais de retórica e de crítica literária. Esses livros não se conservaram, pois eram de um nível mais elementar, e mais tarde foram ultrapassados por livros mais avançados; naquela época, entretanto, representaram um papel pioneiro, importante na educação grega formal. Eles foram igualmente significativos por representarem o estágio no desenvolvimento linguístico em que a linguagem se tornou pela primeira vez cônscia de si mesma, e começou a refletir sobre suas próprias operações e descrevê-las.

Jaeger¹⁸, à semelhança de Marrou, pontua a contribuição dos sofistas com relação à sistematização do ensino, com destaque para o princípio de que eles foram os precursores do que mais tarde foi denominado de sete artes liberais.

Destarte, os sofistas foram importantes na construção do conceito de educação na Grécia; foram os primeiros a utilizarem os princípios educacionais das quatro ciências elaboradas desde os pitagóricos, que mais tarde seriam denominadas de quadrivium: aritmética, geometria, astronomia e música. Por essa razão, é mister destacar as palavras de Jaeger¹⁹:

É com eles que a paideia, no sentido de uma ideia e de uma teoria consciente da educação, entra no mundo e recebe um fundamento racional. Os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação. Com efeito, estabeleceram os fundamentos da pedagogia, e ainda hoje a formação intelectual trilha, em grande parte, os mesmos caminhos. Mas ainda agora está por resolver a questão de saber se a pedagogia é uma ciência ou uma arte; e não foi ciência mas sim techne que os sofistas chamaram à sua teoria e arte da educação [...] por outro lado, os sofistas consideravam a sua arte o coroamento de todas as artes.

Por fim, com os sofistas surgiu a paideia do homem adulto. A ação educativa ateniense "deixou-se limitar exclusivamente à infância [...] e se passou a aplicar com especial vigor ao homem adulto [...]. Foi então que pela primeira vez surgiu uma paideia do homem adulto"²⁰.







_____________

¹ As nuvens, p. 189-199. 
² Idem, p. 192. 
³ Vida e data da composição, As nuvens, p. 75.
⁴ W. JAEGER, Paideia: a formação do homem grego, p. 337.
Teoria política grega, Platão e seus predecessores, p. 27-29.
⁶ ANTISERI, História da filosofia, p. 74.
⁷ W. K. C. GUTHRIE, Os sofistas, p. 31.
⁸ Idem, p. 111-113.
⁹ Idem, p. 230.
¹⁰ Idem, p. 221, 225.
¹¹ História da filosofia, p. 73.
¹² Idem, p. 76.
¹³ W. JAEGER, Paideia: a formação do homem grego, p.341.
¹⁴ J. V. LUCE, Curso de filosofia grega do século VI a.C. ao século III d.C., p. 82.
¹⁵ H. I. MARROU, História da educação na Antiguidade, p. 84.
¹⁶ ANTISERI, História da filosofia, p. 75.
¹⁷ História da educação na Antiguidade, p. 81-102.
¹⁸ Paideia: a formação do homem grego, p. 368-369.
¹⁹ Idem, p. 348.
²⁰ Idem, p. 354.