quinta-feira, 14 de março de 2013

HIE: EDUCAÇÃO GREGA - Platão (Edson Lopes)

 
 
Platão é um personagem a ser destacado quando se discute a contribuição grega para a educação. Ele viveu nos anos 427 a 347 a.C. Era descendente de uma família ateniense nobre. Do lado paterno, contava com Codros, um dos mais antigos reis de Atenas, e, pelo lado materno, com o famoso estadista grego Sólon. Seu nome era Aristócles, mas ficou conhecido pelo seu apelido de Platão, que compreende as especulações: por ter os ombros largos; por ter a testa avantajada ou por causa da profundidade do seu pensamento.¹

Seu encontro com Sócrates² foi aos vinte anos de idade por intermédio dos seus parentes Crítias e Cârmides, amigo do citado filósofo. De Sócrates, Platão chegou a afirmar³: "o melhor homem entre todos que conhecemos, o mais sábio e o mais íntegro".

Nos doze anos seguintes após a morte de Sócrates, dedicou-se à produção literária e a viagens esporádicas à Grécia ocidental; dali, esteve em Taras, Mégara, Egito, Cirene⁴. Ao retornar a Atenas, Platão, após ampliar seus horizontes culturais e amadurecer suas reflexões filosóficas, resultado de suas viagens, resolveu fundar sua própria escola, denominada Academia, a qual se tornaria protótipo dos colégios e universidades futuros⁵.
 
A tônica da Academia era a preparação do indivíduo na política; buscava ser um colégio filosófico para formar um novo tipo de dirigentes para o mundo grego, que se tornaram especialmente procurados como conselheiros para a elaboração de constituições ou de projetos de nova legislação⁶. A academia se tornou o centro formador de alunos que contribuíram para a vida política de diferentes localidades do mundo grego. Platão dedicou-se totalmente ao desenvolvimento da Academia e a escrever numerosos diálogos maiores, incluindo A república, sua obra magna.
 
Percebemos que a Academia buscava formar futuros líderes; entretanto, não se tratava de um centro formador voltado apenas para a política. Platão demonstra sensível preocupação com a alma. Aí estava seu diferencial em relação aos sofistas.
 
Trata-se de uma concepção educacional oposta à dos sofistas, por considerá-los pragmáticos e por buscarem o conhecimento utilitário a serviço dos discursos políticos. Sua oposição ficou clara quando buscou construir seus pressupostos filosóficos da educação sob a noção fundamental da verdade, a qual, segundo os sofistas, era relativa; mas, conforme Sócrates e Platão, real e absoluta⁷. Além disso, a educação concebida por Platão, com vistas à formação do dirigente político, é um tipo de educação dotada de valor e alcance universais. Qualquer que seja o campo da atividade humana para o qual alguém se oriente, não há mais do que uma cultura válida: a que aspira à verdade⁸. Para Platão, a busca da verdade é o fundamento da vida humana, e é por assim pensar que ele ressalta uma educação que prioriza o cuidado com a alma, haja vista que somente ela pode alcançar o mundo das ideias, onde se encontra a verdade.

Percebemos que esse foco educacional de Platão está diretamente relacionado com a educação cristã, uma vez que esta também prioriza o cuidado com a alma. É notório entre os cristãos que há uma preocupação com o corpo; todavia, os assuntos relativos à alma ainda são prioridade na relação do homem com o Criador, o que demonstra a influência de Platão na teologia ocidental da Antiguidade até os dias de hoje⁹.
 



----------
¹ ANTISERI, História da filosofia, p. 125.
² Para saber mais sobre a vida e a obra literária de Platão, cf. Edson Pereira Lopes. O Cuidado com a alma imortal nos diálogos Fédon, Fedro e República de Plantão. In: Revista Estudos de Religião. São Bernardo do Campo: Metodista, nº 35, dez. de 2008, p. 178-194.
³ Apologia de Sócrates, p. 190.
⁴ Edson Pereira Lopes, A história da educação no período dos primeiros pais da Igreja, p. 180.
⁵ Idem, p. 179.
⁶ Idem, p. 181. 
⁷ Idem, p. 193.
⁸ H. I. MARROU, História da educação na Antiguidade, p. 111.
⁹ Para saber mais sobre o assunto cf.Edson Pereira LOPES. A história da educação no período dos primeiros pais da Igreja, p. 178-194.



quinta-feira, 7 de março de 2013

HIE: EDUCAÇÃO GREGA - Sócrates (Edson Lopes)


SÓCRATES nasceu em 470-399 a.C., período em que os gregos puseram fim à hegemonia dos persas no Mediterrâneo; era de uma família ateniense urbana e de posses modestas¹. Sua mãe, Fenarete, foi parteira; seu pai, Sofronisco, foi escultor, e essa também foi sua profissão, apesar de pouco se dedicar a ela.

Platão caracteriza Sócrates, ao compará-lo com os sátiros e silenos, como calvo, fisicamente feio, com nariz achatado, o olhar penetrante de um fauno; era dotado de corpo musculoso, mas sem elegância. Sempre descalço e vestido com um manto grosseiro no inverno e no verão, perambulava pelas ruas de Atenas cercado de amigos e companheiros² e procurava conversar com homens de todas as classes sociais. Aparecia nas oficinas e na lojas, nos ginásios e nos balneários, comparecia a festas e a jantares, sempre provocando discussões veementes, mas sem nunca perder a calma e atitude nobre e modesta. Pretendia despertar nos ouvintes o interesse pelas coisas do espírito. Nas discussões, baseava-se em argumentos simples e convincentes, extraídos da realidade da vida cotidiana, encaminhando a conversa de pergunta em pergunta, sempre à procura da verdade e das definições mais precisas.

Querofonte, amigo de infância de Sócrates e companheiro do povo, perguntou ao oráculo de Delfos, Pítia, se existia alguém mais sábio que Sócrates, e o oráculo respondeu: "O mais sábio dentre vós, homens, é quem, como Sócrates, compreendeu que sua sabedoria é verdadeiramente desprovida do mínimo valor"³.

Sócrates se propôs a investigar as razões de tais palavras e descobriu que o oráculo o tinha por sábio, pois nenhum valor há na sabedoria humana. A partir daí, ele se apresentava como um homem que reconhecia sua própria ignorância, o que resultou na sentença a ele atribuída: "Eu [só] sei que nada sei".

Como consequência de sua maneira de viver do reconhecimento da própria ignorância, no início de suas atividades filosóficas poucos jovens foram atraídos por ele. Ele buscava a companhia de jovens nos ginásios, onde se reuniam para a prática de exercícios atléticos, e conversava com alguns deles enquanto descansavam após os exercícios.

Os ginásios atléticos eram as escolas e as faculdades da época, onde os futuros líderes da sociedade podiam ser encontrados e influenciados. Sócrates imaginava que poderia prestar melhor serviço aos interesses de Atenas, ao propiciar àqueles jovens aristocratas pensar na que considerava a mais importante de todas as questões: Como um homem pode conduzir sua vida?⁴

Homens mais idosos também se juntavam a essas discussões, e muitos, que se julgavam bons conselheiros e juízes prudentes de questões duvidosas viam suas pressuposições seriamente postas à prova e às vezes refutadas pela dialética socrática. Muitos idosos sentiam que haviam sido humilhados diante dos mais jovens, e o resultado era o acúmulo de suspeitas e antipatias contra Sócrates.

Entretanto, ao mesmo tempo que os mais idosos eram antipáticos a Sócrates, muitos jovens de famílias ricas uniram-se a ele, a partir de um pequeno grupo de discípulos que admirava seu espírito de coragem e achava sua conversa estimulante e instrutiva⁵.

Ele não pretendia apresentar quaisquer doutrinas especiais para serem transmitidas; antes, postulou uma atitude nova e crítica na vida. A maneira de filosofar de Sócrates era a de uma confrontação intelectual e moral, uma exortação constante a que as pessoas se preocupassem com a verdade e com o bem-estar da alma. Seu método era o da conversação, e seu primeiro objetivo era a refutação do erro. Depois disso, ele podia trabalhar no sentido de instilar um senso verdadeiro de valores no ouvinte. O primeiro passo rotineiro na conversa era: "Examinemos, juntos, o problema".

O resultado de suas ideias foi sua condenação e morte pelas oligarquias atenienses, uma vez que tais homens sentiram-se ameaçados por seus ensinos. Uma sentença atribuída a Sócrates, "Conhece-te a ti mesmo", mas cujo inventor foi Pítaco, demonstra seus princípios educacionais.

O conhecimento era uma das principais discussões nos dias de Sócrates e tornou-se uma de suas marcas distintivas em relação aos sofistas. Em sua compreensão, a virtude (areté) não poderia ser objeto de uma arte especial, ou que pudesse ser dominada; pelo contrário, o bem é uma virtude de toda alma. O bem, ao qual todos os homens aspiram, não deve ser entendido apenas num sentido moral, mas como aquilo que é digno das aspirações do homem, incluindo o que é útil.

As aspirações por alcançar a virtude se tornam, assim, o esforço por alcançar um saber perfeito, cujo núcleo está na alma humana; nesta, o verdadeiro conhecimento está presente, pois "o conhecimento perfeito só pode ser encontrado num ser que não tem tempo e é imutável, não conhece nem origem nem morte"⁶.

Daí a sentença de Pítaco "Conhece-te a ti mesmo" ser relevante para o método socrático da maiêutica. Para Sócrates, o conhecimento seguro deveria partir da alma, do interior para o exterior. Por conseguinte, o homem só poderia encontrar o conhecimento verdadeiro por meio do zelo de sua alma. Para isso, havia necessidade de se despir da arrogância. Essa preocupação deu origem ao método denominado ironia, o qual consistia em perguntas dirigidas ao seu interlocutor. Elas eram tantas que, no decorrer do diálogo, o interlocutor entrava em contradição com suas afirmações, de tal forma que admitia não conhecer todas as coisas.

O objetivo de Sócrates era derrubar toda pretensão ou presunção do saber. Buscava-se purificar o caráter, à medida que conduzia seus interlocutores à confissão de suas próprias contradições e ignorância, onde antes só julgavam possuir certezas e convicções. Uma vez inserido no diálogo, a intenção real de Sócrates era despertar no discípulo o desejo de procurar as próprias respostas por si mesmo, iniciando suas próprias reflexões; era nesse momento que a maiêutica ocorria.

Portanto, a educação socrática possui caráter ativo e deve prover condições para a reflexão a partir de si mesmo, isto é, o saber de "dentro de fora", e o conteúdo das discussões educacionais deve ser extraído do cotidiano.




________________

¹ J. BRUN, Sócrates, Platão e Aristóteles, p. 27.
² Diálogos. In: O banquete, p. 8.
³ PLATÃO,  Apologia de Sócrates, p. 44, 47.
J. V. LUCE, Curso de filosofia grega do século VI a.C., p. 89.
PLATÃO, Apologia de Sócrates, p. 47.
⁶ W. BURKERT,  Religião grega na época clássica e arcaica, p. 610-611.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

HIE: PANORAMA DA EDUCAÇÃO GREGA - Edson Lopes



DE MANEIRA GERAL, NO SÉCULO VI a.C. prevalecia, na educação grega, o princípio de que o menino até os sete anos deveria ficar sob o cuidado da mãe e da ama.

Depois, passava a frequentar as aulas do gramatista, com quem aprendia as primeiras letras e as regras de numeração e cálculo. Nessa mesma oportunidade, aprendia a ler e a saber de cor as obras de poetas como Homero e Hesíodo.

Mais tarde, passava para o curso de citarista, pelo qual aprendia a dedilhar a lira heptacorde e a cantar as obras dos líricos, segundo os acordes tradicionais do modo dório. Paralelamente, os professores de ginástica supervisionavam com rigor os exercícios físicos.

Aristófanes¹ explicita, da seguinte maneira, como era a educação ateniense em seu tempo:

1. A disciplina e o castigo: "... não se devia ouvir um menino cochichar nem um 'a'; depois, os moradores de um mesmo bairro andavam pelas ruas, bem disciplinados, indo à casa do professor de cítara, sem manto e em fila [...] e, se algum deles se fazia de 'bobo e difícil de modular', era moído de muitas pancadas, como se tivesse prejudicado as musas".

2. A ginástica e a música: constituíram a matriz curricular - "indo à casa do professor de cítara [...]. O professor, por sua vez, começava ensinando-os a cantar com as coxas bem apertadas". O foco de Aristófanes era a educação dos jovens e, por isso, não contemplava outras disciplinas da matriz curricular da antiga educação ateniense. A educação dos jovens atenienses comportava três partes: primeiras letras, a cargo do gramatista; poesia e música, com o citarista; os exercícios físicos. Na casa do professor de ginástica, pode-se verificar a questão disciplinar, haja vista que eles deveriam sentar-se com as pernas esticadas para frente, para não mostrar nenhuma indecência aos estranhos. Na hora da ceia, não se devia comer gulodices, dar gargalhadas ou ficar de pernas cruzadas.

3. A questão moral: Aristófanes revelava-se adversário convicto da homossexualidade e não perdia oportunidade para ridicularizar aqueles que não lhe eram simpáticos. Por outro lado, ainda, quem se levantava devia aplainar a areia, tomando precaução de não deixar aos amantes nenhum vestígio de sua mocidade; ninguém amolecia a voz para aproximar-se do amante, prostituindo-se a si mesmo com os olhos.

4. A finalidade da educação: consistia em preparar o jovem para a coragem, semelhante aos guerreiros de Maratona, como afirma Aristófanes: "Mas, na realidade, foi com essas coisas que a minha educação criou os homens guerreiros de Maratona"².

Souza³ afirma que essa era tipicamente uma educação de nobres, privilégio de uma elite que conseguia frequentar os cursos do início ao fim (dos sete aos catorze anos), tendo sempre os olhos voltados para uma vida de aristocratas ociosos e ricos, que não necessitavam do trabalho manual para viver. Cultivavam os ideais do valor e da virtude, conquistados pelo esforço físico, pela coragem e pelas vitórias, virtude que devia desenvolver as boas qualidades que os "nobres" já traziam em si como dons inatos e indispensáveis ao bom aprendizado⁴. Para Barker⁵, trata-se de uma educação tanto esportiva como intelectual, como um ideal essencialmente ético: a beleza moral aliada à beleza física, ou melhor,a formação do espírito num corpo plenamente desenvolvido e harmonioso.

No século V a.C., cada vez mais se tornava perceptível que esse gênero de educação não poderia corresponder as necessidades do homem da polis e da democracia ateniense. Era necessário substituir os ideais da nobreza de raça e origem por nova concepção de virtude, que corresponde melhor aos cidadãos atenienses desse tempo, que eram membros da comunidade e prestes a colocar-se a serviço dela; isso, considerando-se que, em Atenas, todos os cidadãos viam abertos diante deles os caminhos de acesso a todos os cargos públicos.

À citada crise do conceito de "virtude", apresentada por uma aristocracia que insistia em relacionar "virtude" com "nascença", somaram-se outros dois fatores: primeiro, a crescente afirmação da ampliação do poder como "virtude política", passível de ser adquirida; segundo, o afluxo sempre maciço de estrangeiros às cidades, especialmente em Atenas, pela ampliação do comércio, o que resultou na difusão de novos conhecimentos interpessoais. O resultado é que surgiram grandes conflitos de opiniões e de interesses políticos, e os sofistas souberam captar o espírito de sua época. Isso⁶ explica por que eles alcançam sucesso entre os jovens. Era um tempo em que estes já não se satisfaziam nem com os valores propostos pela geração dos seus pais nem com o modo pelo qual esses valores eram propostos. Nesse contexto, aparecem os sofistas, respondendo a reais necessidades do momento, ao propor aos jovens as palavras novas pelas quais estes aguardavam.

Assim, os sofistas foram educadores que apareceram em muitas partes do mundo grego e que tinham em comum a consciência de seu papel como mestres de virtude política. As palavras gregas sophos e sophias, que se costumam traduzir por "sábio" e "sabedoria", eram utilizadas há muito tempo como termos genéricos para designar pessoas que eram ao mesmo tempo sábias e hábeis; mas, podiam também ser aplicados a poetas, carpinteiros, médicos e estadistas⁷. Percebe-se assim que, em sua mais antiga ocorrência conhecida, a palavra sophistes não trazia em si sentido pejorativo. A acepção negativa do termo deve-se às críticas de Sócrates, Platão e Aristóteles aos sofistas, sobretudo, pelo entendimento de que eram desinteressados da verdade e preocupados com os lucros.

Aristófanes⁸, que na peça teatral As nuvens (423 a.C.), além de tecer críticas a Sócrates, teve como fundamento satirizar a proposta educacional dos sofistas, demonstrou que eles eram vistos como mestres que podiam, desde que devidamente pagos, "fazer a causa pior parecer a melhor" e "vencer com discursos nas causas justas e injustiça". Ele via nos sofistas ideias perniciosas quanto ao futuro da cidade, uma vez que, em sua concepção, os sofistas pregavam o ceticismo e o abuso da retórica, que resultavam na degeneração política da cidade. E isso culminava com o afastamento dos jovens de suas famílias e das tradições, as quais eram as verdadeiras bases da grandeza ateniense.

Sua finalidade, ao escrever As nuvens, foi demonstrar os perigos da nova educação que, sob a liderança dos sofistas, corrompia a mocidade, desviando-a do bom caminho. É por isso que ele retrata um filho, por ele denominado Fidípides, que discute com seu pai e prefere fazer mal aos pais, em vez de aos seus mestres⁹. Em 423 a.C., quando escreveu a citada obra, Aristófanes viu os frutos da nova educação de forma evidente. Já iam longe os dias em que as palestras e ginásios se enchiam de jovens desejosos de adquirir a perfeição física por meio de exercícios bem orientados. Agora, eram meros pontos de recreação e encontro, onde se aglomeravam homens desejosos de trocar ideias. Os balneários haviam se transformado em antros de corrupção, onde a juventude vivia assediada por homens maduros e pervertidos à espreita de seus amados, e os antigos preceitos morais, a música, a bela poesia do passado, tudo estava esquecido e abandonado.

Havia, segundo Aristófanes, a necessidade de mostrar que a geração antiga tinha seus erros e fraquezas, mas sabia conservar as qualidades morais. Ao contrário, a nova geração de "educadores", sofistas e Sócrates, segundo ele, tendiam ao cinismo e à perda de todas as virtudes dos gloriosos varões de Maratona. Além disso, no desfecho de As nuvens ele ressalta as consequências da nova educação. Fidípides (o filho) procura convencer o próprio pai (Estrepsíades) de que era justo um pai apanhar de seus filhos: "Você quer me convencer de que é belo e justo que um pai apanhe de seus filhos?!", ao que responde Fidípides: "Eu convivo com hábeis sentenças, palavras e pensamentos, e creio que posso provar que é justo castigar o pai"¹⁰.

Antiseri ¹¹ assinala que, durante muito tempo, os historiadores da filosofia adotaram a postura de Aristófanes e as informações fornecidas por Platão e Aristóteles a respeito dos sofistas, de modo que, em geral, o movimento sofista foi desvalorizado. Entretanto, é necessário assinalar que os sofistas formavam três grupos: os grandes e famosos mestres da primeira geração, dentre eles Protágoras, morais em seus princípios, os quais Platão considerou dignos de respeito; os erísticos, que levaram o aspecto formal do método à exasperação, perderam o interesse pelos conteúdos e não seguiram a moral dos mestres; e os político-sofistas, que utilizaram ideias sofistas com finalidades políticas, o que resultou em imoralismo¹².

Assim, na reavaliação histórica dos sofistas percebe-se que eles foram fenômenos tão necessários quanto Sócrates e Platão; aliás, sem eles, estes são absolutamente impensáveis¹³. A partir de 450 a.C., os sofistas passaram a ser denominados de "professores", viajantes de cidade em cidade, que ofereciam cursos de instrução numa grande variedade de assuntos¹⁴. Esses professores ensinavam por meio de conferências públicas ou seminários e eram remunerados por sua atividade.

Prevaleceu o pensamento de que, por meio da retórica, as grandes assembleias e júris populares, que eram a expressão do poder político atenienses, seriam convencidos a agir em razão do orador. Os cidadãos mais ambiciosos viram a necessidade de aprender a arte de argumentar, com o objetivo de convencer as pessoas pelo argumento e conduzi-las a fazer o que o orador desejasse. Era necessária uma nova educação, que preparasse as forças do saber, para colocá-las a serviço do Estado; uma educação política que propiciasse a formação dos futuros dirigentes.

Os sofistas perceberam a importância de se elaborarem leis e também como conseguir sucesso por meio da habilidade de convencer e seduzir com palavras. Eles aperfeiçoaram a técnica da retórica e, devido a esse contexto sociocultural de Atenas, as técnicas dessa arte se tornaram o desejo de muitos cidadãos, que estavam dispostos a pagar elevadas quantias a qualquer pessoa que pudesse transmiti-la¹⁵. Como consequência dessa fase dos gregos, no século, no século V a.C. os sofistas cobravam altos honorários para ensinar oratória aos cidadãos atenienses que aspiravam à vida pública.

Ainda que, no século vindouro, os honorários cobrados pelos sofistas, concernentes às suas aulas, viessem a ser baixados pela concorrência, eles justificavam seus altos honorários em razão de que não haviam encontrado uma clientela já feita; fora necessário persuadir o público a recorrer a seus serviços.

Os sofistas gastavam com a "publicidade" de seus serviços. Alguns deles iam de cidade em cidade à procura de alunos, levando atrás deles os já arrebanhados; as despesas corriam por conta dos sofistas. Para se fazerem conhecer e manifestarem a excelência de seu ensino e para darem mostras de sua habilidade, os sofistas ofereciam de bom grado uma exibição gratuita, quer na cidade, quer num santuário pan-helênico como Olímpia, onde aproveitavam o público internacional que aí se achava reunido por ocasião dos jogos.

A cobrança para ensinar escandalizava os antigos, porque, para eles, o saber era fruto desinteressado das questões financeiras. Além disso, os aristocratas e ricos tinham acesso ao saber, uma vez que os problemas práticos da vida, como, por exemplo, o trabalho, já haviam cessado; dessa maneira, eles tinham tempo para se dedicarem ao conhecimento. Na concepção deles, só quem já se havia desprendido das necessidades imediatas deveria buscar o conhecimento.

De fato, alguns sofistas exageraram quanto à cobrança de suas aulas; entretanto, no aspecto positivo, romperam com um esquema social que limitava o conhecimento só a determinada camadas, oferecendo oportunidade a outras de adquiri-lo, desde que tivessem condições para pagar¹⁶. Sendo assim, a educação proposta pelos sofistas não dizia respeito ao acesso educacional democrático, mas aos que podiam pagar bem e desejavam se tornar chefes de Estado. Por outro lado, eles se faziam porta-vozes da ideia de que a "virtude" (areté) não dependia da nobreza do sangue e da nascença, mas fundava-se no saber. Por conseguinte, qualquer pessoa poderia ser virtuosa, desde que possuísse o saber.

Marrou¹⁷ destaca que os sofistas contribuíram para as discussões da educação formal grega:

O substancial do trabalho dos sofistas era feito mediante contrato com os discípulos, mas eles também escreveram manuais e compêndios. Assim foram produzidas as primeiras gramáticas e os primeiros manuais de retórica e de crítica literária. Esses livros não se conservaram, pois eram de um nível mais elementar, e mais tarde foram ultrapassados por livros mais avançados; naquela época, entretanto, representaram um papel pioneiro, importante na educação grega formal. Eles foram igualmente significativos por representarem o estágio no desenvolvimento linguístico em que a linguagem se tornou pela primeira vez cônscia de si mesma, e começou a refletir sobre suas próprias operações e descrevê-las.

Jaeger¹⁸, à semelhança de Marrou, pontua a contribuição dos sofistas com relação à sistematização do ensino, com destaque para o princípio de que eles foram os precursores do que mais tarde foi denominado de sete artes liberais.

Destarte, os sofistas foram importantes na construção do conceito de educação na Grécia; foram os primeiros a utilizarem os princípios educacionais das quatro ciências elaboradas desde os pitagóricos, que mais tarde seriam denominadas de quadrivium: aritmética, geometria, astronomia e música. Por essa razão, é mister destacar as palavras de Jaeger¹⁹:

É com eles que a paideia, no sentido de uma ideia e de uma teoria consciente da educação, entra no mundo e recebe um fundamento racional. Os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação. Com efeito, estabeleceram os fundamentos da pedagogia, e ainda hoje a formação intelectual trilha, em grande parte, os mesmos caminhos. Mas ainda agora está por resolver a questão de saber se a pedagogia é uma ciência ou uma arte; e não foi ciência mas sim techne que os sofistas chamaram à sua teoria e arte da educação [...] por outro lado, os sofistas consideravam a sua arte o coroamento de todas as artes.

Por fim, com os sofistas surgiu a paideia do homem adulto. A ação educativa ateniense "deixou-se limitar exclusivamente à infância [...] e se passou a aplicar com especial vigor ao homem adulto [...]. Foi então que pela primeira vez surgiu uma paideia do homem adulto"²⁰.







_____________

¹ As nuvens, p. 189-199. 
² Idem, p. 192. 
³ Vida e data da composição, As nuvens, p. 75.
⁴ W. JAEGER, Paideia: a formação do homem grego, p. 337.
Teoria política grega, Platão e seus predecessores, p. 27-29.
⁶ ANTISERI, História da filosofia, p. 74.
⁷ W. K. C. GUTHRIE, Os sofistas, p. 31.
⁸ Idem, p. 111-113.
⁹ Idem, p. 230.
¹⁰ Idem, p. 221, 225.
¹¹ História da filosofia, p. 73.
¹² Idem, p. 76.
¹³ W. JAEGER, Paideia: a formação do homem grego, p.341.
¹⁴ J. V. LUCE, Curso de filosofia grega do século VI a.C. ao século III d.C., p. 82.
¹⁵ H. I. MARROU, História da educação na Antiguidade, p. 84.
¹⁶ ANTISERI, História da filosofia, p. 75.
¹⁷ História da educação na Antiguidade, p. 81-102.
¹⁸ Paideia: a formação do homem grego, p. 368-369.
¹⁹ Idem, p. 348.
²⁰ Idem, p. 354.